quinta-feira, julho 01, 2010

Sobre Pedras e Gente de Verdade

Falava com certa empolgação até ser interrompida:

"Já falei p'rá falar baixo..."

"Então, é sobre o que eu tenho..."

"É baixo, não sussurrando. É possível ouvir um sussurro a uma boa distância daqui... Jajá verão que estamos a conversar confidências."

Tomou o fôlego novamente, com novo controle e prosseguiu:

"Ok. Mas não são confidências ou segredos. São constatações. Eu tenho percebido ao longo desses últimos meses. Como se as pessoas não buscassem a... a cristalinidade de suas ações."

"Hmmm... Como assim? Transparência?"

"Quase isso. Mas, diferente. A coerência de todas as ações. Uma forma na qual se pudesse, por todos os ângulos..."

Parou. Fez alguns gestos. Relaxou os ombros, levantou a mão direita com os dedos unidos apontados para cima, na altura dos olhos. Recomeçou a explicação, posicionando a mão esquerda em diferentes pontos ao redor da mão erguida.

"Enxergar com transparência, em todas essas posições. Uma forma que não se fosse cego ou deixasse os outros cegos. Que esta nitidez fosse capaz de representar a ausência de incongruências. Erros, mas não compensados com desdém."

"Deixe-me ver... o que fizeram com você? É como se alguém tivesse aberto seus olhos há muito fechados. Ou que algo a tivesse feito reparar no que conseguia desviar a atenção há bastante tempo. Em qual momento não ver 'através desses cristais' passou a incomodá-la? Por que isso importa a você?"

"Porque me dá nojo, desprezo. Em outras palavras de asco que não consigo me lembrar. Mas se você puder ler minha expressão saberá bem do que falo. Quando voltar, pegue algum de seus dicionários. Qualquer sinônimo procede."

"O que me disse é reflexo, não porque importa... Quando?"

"Mas... Já disse. Há alguns meses. Parece-me que essas ações se tornaram um absurdo quando me tornei vítima... 'menos melodrama', sei... parte, me tornei parte e observadora próxima disso tudo. Quando percebi de outras falas que eu posso ter sido citada de mesma maneira que ouvi sobre uma ou um outro qualquer."

"Vamos lá, por partes. Se eu entendi, você chamou de 'clareza' ou 'cristalina' as ações de outras pessoas quando não interferem no meio onde elas ocorrem?"

"É."

"Isso é impossível."

E se afastou um pouco.

"Não é... Ou é."

"Não seria razoável pensar que algumas ações tem reações e é assim que tudo funciona? Normalmente."

"Sim. Concordo... Mas o problema é justificá-las, momentos depois, a todos, sem razão alguma. E, acabamos sempre em risos, difamação. No fundo, não é necessário justificar nada a ninguém, pois... afinal... há razão inerente nas ações, simplesmente."

"Essas justificativas servem, em geral, para continuarmos inseridos no grupo. Narração de ações não usuais são acompanhadas de interrogações e narizes torcidos. É natural. Explicando qualquer coisa que possa ser compreendida como justificativa para o anterior fato. A extensão e absurdo do argumento são reflexos da não crença do próprio narrador aos fatos."

"Tem sempre alguns que apenas riem. Faz sentido."

"Pessoas em grupo agem de maneira diferente. Você já deveria saber disso."

"Mas há pessoas que não são separáveis do todo, embora muito deseje. Suas respostas não são passíveis de análise. No conjunto todo, não há como reservá-la."

"Não confunda erros com arrependimentos. Os primeiros seriam mais sobre como os outros a julgam, enquanto o último é sobre o silêncio e escuridão do quarto, quando somente uma vez ecoa - a sua própria - a questionar o que fizera. Tamanho é este poder, que sempre mentem sobre arrependimento ao pedir desculpas por um erro."

"Continue."

"As ações de outras pessoas não são responsabilidade sua. Nem deveriam incomodá-la. Embora sinta vontade de cutucar as pessoas pedindo explicação, não deve e nem pode. Nas conversas as pessoas se permitem, com pouca abertura, verdadeiras perguntas. Mas em curto período. Em momentos onde se sentem num abismo e informam fatos que formaram o próprio caráter, numa tentativa inconsciente de dizer que já estiveram em situação pior. Ou que estão em situação muito melhor e aquilo não importa mais."

"Muito melhor ou muito pior. Entendi. Mas e a busca por essa parte cristalina? Essas perguntas?"

"Você já tem a resposta. Ou não precisa delas."

Com dúvidas, mas mais tranqüila. Despediu-se, partiu. Certificou-se que ninguém a vira e continuou a se distanciar.

Não se encontram há dois meses.


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