segunda-feira, dezembro 23, 2002

II.

Vai, minha tristeza, e diz a ela que, sem ela não pode ser. Diz-lhe numa prece que ela regresse por que eu não posso mais...
"shhhhh... cala a boca".
Seco. Fiquei sem respirar. Não vi mal algum em expelir alguns sentimentos. Lembranças tão claras, mágoas guardadas nos vazios que foram destrúidos por um amor que nunca existiu. Se ao menos tivesse um retrato a coisa ficaria um pouco melhor. Acho que não, se o tivesse provavelmente em momento desesperador atirá-lo-ia contra a parede e, cacos de nada valem.
Já sei que cantar não posso. Bem que poderia haver uma cama mais confortável, minhas costas doem.
Não havia reparado como os tetos das celas parecem ser tão admirados. São os únicos espaços limpos, talvez por serem intocáveis. É isso, parece o céu, intocável. Já posso ver os desenhos que poderia fazer. Uma estrela de sete pontas - levaria dias -, escritos de "eu te amo" formados por estrelas...
A luz ofusca os olhos e não vejo mais nada. Já é noite.
Luzes de natal. O mundo contente em ser solidário uma vez por ano, confraternização para com o próximo.
Quero que a solidariedade se exploda. É desumano estar preso sem saber ao menos o porquê.
Não deveria existir natal. Veja bem, aqui não neva e o pólo norte fica distante demais, é verão e não se cria ovelhas em São Paulo. Além do mais o dito "bom velhinho" deve ter mais o que fazer do que levar presentes do longínquo pólo norte para as terras infernais do hemisfério sul.
A falsidade desses dias é uma desonra a toda a raça humana.
Passado esse tempo, não saí da cama.



quarta-feira, dezembro 18, 2002

I.

Por mais quantas vezes hei de escrever um fim cercado de glórias, digressões e elogios? Parece vangloriar falsamente o possível defunto. Escrevo, então, quantos forem necessários para chegar no real.

Ao acordar encontrei-me no cárcere, ou melhor, vi-me - aquele, definitivamente, não era eu.
Nem homícidio, nem incitação à revolta. Não sei o que fiz. Batia os ossos da mão na grade e não obtinha respostas, e ao perguntar aos uniformes sobre os motivos de minha estada naquele lugar desfaziam-se, vista ser por soar irônica e rotineira. Não era irônica. Não me lembro de ter errado em nada.
Os dias nasciam e se repartiam em quatro pedaços ou mais, o sol os iluminava. Na verdade as partes eram o sol que não pôde ser inteiro ao atravessar as grades. Se o sol que detém a vida fraquejou ao entrar naquele mundo, o que dizer de mim, que não me sou, nem aqui nem lá?


terça-feira, dezembro 17, 2002

Tão Belos Os Muros Que Me Cercam

Encontrei na parede meu maior conforto. Os doces ouvidos, sua estabilidade frente tantas palavras difíceis e rancorosas. Tão fria, tão aconchegante.
Segurou minha fúria quando nela vi o rosto de quem não quis dar-me a vida. Abraçou-me e disse tudo o que eu precisava ouvir, a voz do silêncio, que de tão profundo entregou a sabedoria. Deu-me apoio quando me encostei a chorar num dos cantos, esfriou minha mão quando esta latejava.
Impede que eu tome chuva como outrora tu deixaste.


segunda-feira, dezembro 16, 2002

Hoje é Amanhã

Hoje é o dia que esperamos nascer. Cujas conversas convergiam a pontos inoportunos e as tentativas de esquivar de qualquer reflexão séria sobre o ano inteiro eram inúteis.
Num passe de mágica somos todos adultos, o fim de tudo. Os dizeres sobre o recomeço, pretexto pra esconder as lágrimas e esquecer que nunca mais veríamos uns aos outros, de nada adiantam. Veio o desespero no rosto das pessoas que sempre calmas pareciam. Estas que tinham sob controle seus piores males.
O dia amanhece duas vezes, parece tudo igual. Mais cedo do que se imagina, apenas 2 dias depois, vê-se o verdadeiro futuro: deserta a paulista chuvosa, vazia de pessoas, seca de sentimentos.
Só, pra não ser emotiva demais. Simplesmente avenida paulista.


quinta-feira, dezembro 12, 2002

Declaração de Amor

Havia eu de dizer certas cousas. Um ano é tempo suficiente para ver que o amor que tenho aqui, apesar de ínfimo se comparado ao que mereces, é o mais puro. Vem de longa data, crescendo com o tempo, até ver-me completamente intrigado com tamanha exuberância que encontrei em ti.
Tens as qualidades que tanto vi em meus sonhos, que sempre quis nas pessoas. És meu sonho e minha realidade. És o elo entre meta e físico.
Acredito não dever, mas não posso deixar de citar os tempos que precisei de alguém e sempre a tinha como minha única esperança, e sendo válida, resolveste meus problemas. Eu sei que o fizeste em segredo mas eu precisava expressar-me.
Deste-me colo e ouvidos quando mais precisei; foste meu ombro onde mais pude me apoiar, e onde mais retorno tive.
Nos momentos de inspiração e de grandes revelações, foste uma espécie de espelho, onde pude me ver, tocar-me e mudar as coisas que tinha em mente, consertar certas linhas defeituosas.
Tiveste o céu mais claro de toda a minha vida, a transparência divina que tanto procurei.
Agradeço por existir em minha vida.


A Ordem

Há maneiras de enfrentar os devidos obstáculos. Os afobados, ao verem o buraco próximo, continuam a correr e assim se atiram ao lado de lá, seguros, mas é provável que se encontrem distantes demais e possivelmente não terão forças para se erguerem em apenas um dos braços. Vêem, portanto, o chão mais próximo, e cada vez mais próximo até não ver mais nada.
Já o sábio, deixa os afobados se apoderarem de todo o abismo, mas não deixa tornarem-se sua ponte. É fraqueza pisar na incompetência alheia, já é superior, pensa. O inimigo acredita que ele se encontra amedrontado e precipita-se, mergulhando no fim. Enquanto isso o sábio dá um passo atrás para o pulo, e assim dá dois a frente, pois consegue tomar suas coisas de volta. Executa o que esteve em pensamento, sem olhar pra baixo.
Daqui o horizonte ficou mais amplo.


segunda-feira, dezembro 09, 2002

Inescrupulosos

Palavrões são formas sagradas de se expressar, cabendo apenas o momento e circustância serem definidores de suas intensidades. Tal qual demorei muito p'rá saber grande parte dos significados das palavras empregadas, acho um absurdo dizerem-nas perto de crianças, que vão utililizá-las sem ao menos ter idéia do que se tratam. Digo isso por ouvir crianças dizendo os maiores absurdos a seres inanimados, xingando arduamente seus ditos "criadores".
Que educação é essa que ensina coisas por osmose, malcria seres humanos. De tamanha violência parecem aprender que assim é a vida: os mais fortes sobre os mais fracos, sobre qualquer forma de intelecto. Qualquer utilização do dom humano para resolver os problemas externos são discriminados por uma cultura seca, dita da vida, que seus pais insistem em pôr-lhes na base da força.
Quando é que vão ensinar às crianças o poder do saber, a cultura, as vias de raciocínio, as maneiras de desviarem dos problemas comuns que enfrentam? Quando é que serão tratadas como seres humanos?