segunda-feira, maio 22, 2006

Ao Psiquiatra

- Parece ser uma nova fase de sua vida. - Concluiu o Doutor.

- Sim, mas o que isso tem a ver com o meu problema? - Meio ríspido, respondi.

- Ah... o seu problema. Tem uma notícia boa e uma ruim a respeito dele...
- A ruim é que você nunca conheceu ninguém além de você mesmo e o que conhece de você é quase nada. Suas projeções nada mais fizeram do que iludir suas relações durante esse tempo todo. Tudo o que você acha que conheceu é apenas imagem, fruto de tudo aquilo que você queria ver. Você sonhou de olhos abertos até hoje.


- Excelente... - Disse eu sarcástico. Me recompondo, perguntei sobre o que seria a notícia boa.

- A boa é que você nunca precisou de ninguém para escrever seus personagens. E assim sendo você nunca precisará. Tudo o que você escreve é reflexo da sua vida fictícia e isso é excelente para escritores...


sábado, maio 20, 2006

Fitas Cassetes

Tinha a certeza dos fracos de que tudo daria certo. Era o que mais tinha ouvido naqueles últimos dias, daquelas fitas ganhas em um curso para melhorar a auto-estima, elas repetiam milhares de vezes. Habitou o toca-fitas de seu carro, do estéreo que podia ser ouvido em qualquer cômodo de sua casa ou no imaginário, caso estivesse caminhando pela rua.

Aquilo certamente o faria ser melhor, o faria superar seus enormes problemas, incluindo todos aqueles fatidicamente existenciais. A promessa era parecida com curas evangélicas. Era...perfeito.

Tratava sempre da capacidade de solução dos problemas enquanto se pensa positivo, parecia irônico.

Mas, qual a distância entre a capacidade de racionalizar e convencer com idéias, e a confiança vazia causada por martelos sonoros?
Eu tenho em mente os desejos e atitudes, com toda a confiança do mundo, mas não seria aquela fita que faria você concordar comigo. Você não ouviu a fita.

Você sempre estraga todos os meus prazeres, você é a causa do meu fracasso. Pessoal ou não, carrega demasiadamente as dúvidas ao olhá-lo.

As fitas sempre funcionam, funcionarão sempre. O problema parece ser sempre com o espelho... Mas quem é você? Que me olha angustiado, de barba por fazer e se questiona o mesmo... "Mas Quem é você? Que me olha angustiado, de barba..."


quarta-feira, maio 17, 2006

Me dê uma razão. Do tipo lógica, não esperancista, não futurística.
Do tipo que serve para hoje. E servirá para amanhã.
Que seja própria e real.
E que eu ouça.


terça-feira, maio 09, 2006

Eu deveria me sentir com vontade de questionar.
Pois, certamente, é isso o que se espera de alguém que não tem vontade.

Certa vez disseram "Ser ou não ser? Eis a questão.". Devo dizer que isso é belo, porém parte do pressuposto que se sente angústia e tem-se forças, ainda, para formular perguntas.

Mais profundo que isso, deveria ser: "Ter vontade de questionar! Eis a necessidade".

Nada pior do que se questionar de o porquê de não se ter vontade de se questionar.


sexta-feira, maio 05, 2006


Ao Telefone

- ... era algo substancialmente triste, uma sensação de incompletude difícil de ser tratada, descrita ou sequer comentada...

Enquanto falava, balançava a mão levemente fechada, olhando para o vazio, como se aquele movimento pudesse trazer o dom da oratória. Proseguiu tocando os dedos no polegar e depois na palma da mão..era inútil. Continuou.

... mas poder absover-se de tal angústia era mágico.

Ela disse:

- Fica meio difícil de entender. Mas imagino como se sente.

- Chega disso. Pára de falar assim. Pára de ser desse jeito. Pára!!!Falar com você ao telefone não faz sentido. Ouço sua doce voz mas me incomodo plenamente de ficar de olhos fechados. A grande virtude de conhecê-la é poder vê-la de perto, admirar cada traço do seu rosto, como seus olhos sorriem quando estão em dúvida. Quando mira o longe, buscando um pouco de si mesma em algum lugar. Si mesma em algum lugar do caminho. Desculpe, mas não posso continuar por telefone... você ou qualquer outra coisa, não existe.

Desligou o telefone e voltou a observar o quadro. Ele tinha razão.
Parecia ensaiado.