sábado, abril 29, 2006


Moça na Janela

Caminhava por aquelas infinitas ladeiras de cidades antigas, encontrei uma boa casa de chá e por lá fiquei. Poderia ser Ouro Preto, Milão, Lisboa ou qualquer uma. Como faz parte apenas da idéia de lugar, não é necessário citá-la por completo. É muito mais a situação do que o lugar, como sempre deveria ser.

Tinha uma moça a olhar através de uma janela. Típico em vilarejos como aquele, apesar do jeito que ela olhava. Não reprimia e nem guardava o que fora visto para conversas futuras. Tampouco sorria pelas crianças brincando ou admirava o casal de idosos amorosos que qualquer um gostaria de fazer parte no fim da vida. Não observava pássaros nem qualquer outra coisa, sequer percebeu um jovem ansioso, ensaiando um discurso, com um enorme buquê em uma das mãos, se preparando para o inevitável desastre. Ela não via.

Não saberia precisar exatamente o tempo que passei a observá-la, mas foi o período de 2 longas xícaras de chá, o suficiente para saber quão sólidas poderiam ser minhas idéias a respeito dela.

O que ela via então? Não parecia esperar alguém ou alguma coisa. Talvez estivesse vendo algo fascinante, um lugar grande, grandioso ou qualquer coisa assim. Olhava para janela criando coragem para ir atrás do que via. O ato era introspectivo, mas carregava sentimento de afastamento, controlava as visões tentando satisfazer os desejos íntimos do que queria como futuro, para as previsões futuras.
Pois olhar através da janela, para fora, é tentar criar coragem de ter vontade de ser.


terça-feira, abril 11, 2006

A Coisa

Como que fascinado pelas últimas revelações do livro, as últimas sentenças... as últimas palavras, virou a última página e, em seguida, a capa, fechando-o.
Ficou com a mão aberta por sobre ele longos minutos. Ainda, recostado na poltrona, imóvel, ouvindo as palavras ecoarem vivamente, tinha certeza da realidade de tudo aquilo, como se a tivesse vivido...


segunda-feira, abril 10, 2006

Pois

Pois eu estava certo. Isso eu não queria. Cercado da consciência de minha mediocridade, do quão frívolo poderia ser ao falar de assuntos e adjetivos tão pouco vividos, de declarações que não convencem pelos olhos e gestos, mesmo tendo uma penosa honestidade intrigante. A posse de algo que nunca fora, e que jamais poderia ser.

Pois lá estavam. A mão dele tocava o rosto dela suavemente. Certificar-se da realidade de toda a situação. Nesse ato, eu sentia o rosto dela e um profundo amargo, aperto no peito de uma abstração desejada. Ansiedade. Ainda sim, conseguia usar a câmera fotográfica com engenho e imparcialidade invejáveis. Como eram belos em foto. Era possível ver o movimento dos lábios deles, a sombra no rosto dela e um raio de luz em seu olho esquerdo. Em outra, mordia o canto do lábio com malícia involuntária. Estrelas num filme real em que pude capturar cada momento. Posavam para mim, única, exclusiva e inexoravelmente. Eu estava lá.

Um troféu para tudo o que pude viver além do que acharia ser a morte.
O engano de tentar achar beleza no que seria o fim poético e romântico. O fim da paixão unilateral ao perceber que talvez não seja sempre utópico.
Descobrir a facilidade de perder o tempo como areia pelos dedos, a lucidez numa frustração admirada e a frieza para esse relato sóbrio e insólito.