quinta-feira, março 23, 2006

Post nº366.

Angustiado. Antes inundado, sobretudo pelo que você era e fazia, agora nem mais o tom crônico de suas afiadas palavras, seu olhar distante ou sua vontade de me ver longe. Sua falta me faz compania.

Os olhos se perdem ao procurar os seus traços nos objetos, um pouco de você em cada lugar onde nunca esteve. Essa necessidade de tê-la na pilha de fotos ou nas sombras de um filme de rolo sem tempo, nas lágrimas da chuva que banha o vidro da janela, diariamente. O abrir de olhos na escuridão, buscando ofegante o ar da madrugada, sem sucesso.

No que visto, vejo e ouço, a inquietação de tê-la no toque dos meus dedos ao ar, o desenho que não importa a forma, ainda a representa. Borrado pelo suor das doses de uísque que você insistia em descansar por sobre a gravura. Retrato de nós.


terça-feira, março 21, 2006

Se fosse engano...(Esboçado em 8/jan, inédito)

O baile seria longo, como sempre o fora. O jantar seria servido muito depois da meia-noite.

Ela dançava de rosto colado, sussurando inúmeras palavras pausadas por risos e breves suspiros. De longe, eu observava a cena tentando me situar pela música e ambiente. Não levou muito tempo até entender que minha climatização já havia sido conquistada ao percorrer tal moça, dos saltos altos aos olhos claros.

A conversa incessante parecia nervosismo. Não via o rosto do acompanhante e, decerto, não fiz questão de visitá-lo, importava-me apenas aqueles olhos claros, levemente puxados, que guardavam os mistérios das pessoas desconhecidas. Se entre uma música e outra o casal mal movia os pés do chão, ao menos os olhos dela corriam a todo vapor. Certamente gostaria de lembrar o momento exato em que a conversa perdeu o tom insignificante característico e irrompeu num silêncio observador. De expressão leve fora para apreensiva, deixando uma beleza indescrítivel no rosto. Agora me fitava, assim como eu a fitava, naqueles infinitos poucos segundos.

Permaneceu o impasse do fingir da dança, mecanicamente movendo-se os pés para um lado e outro, enquanto me olhava e retomava o assunto qualquer que falava.

Tempo depois, sentados em umas das inúmeras mesas de jantar, buscou no reflexo de um dos talheres qualquer indício de minha presença no enorme salão. Eu via na lâmina aquele olhar, via também como fugia daquela situação.

Com a fraqueza e hipocrisia dos que vivem os mundos, disse, com o suspiro certo - Bom Apetite - e continuou a fingir, como sempre sonhara.


Maquiagem

Criada da pureza das sensações, um leve rubor jovial, do sol, dos dias felizes em branco e preto e uma foto no fim de tarde. Um riso contido, a curiosidade alheia e um pouco mais de um lado seu tão belo de se ver.

De tudo o que vivera nos últimos dias, no rosto tão impossivelmente real e lindo.

O rosto sem falsidade, contido nos traços únicos de sua própria existência.

Existe.


quinta-feira, março 16, 2006


No meio do caminho tinha uma pedra,
Tinha uma pedra no meio do caminho,
No meio do caminho tinha um monte de pedra,
Tinha um monte de pedra no meio do caminho,
Depois do monte de pedra,
Tinha de onde saíam as pedras,
E, depois tinha uma PEDREIRA!!


Das Cartas



Quantas dessas serão necessárias para que o mundo mude? Ao menos para mim.....


quinta-feira, março 02, 2006

Entre o que não vemos

Já havia abertos os olhos por diversas vezes naquela manhã. Entorpecido pelo desejo de ser outra coisa, fechava os olhos com insistência, ora sonhando, ora acordando de algum pesadelo. A tal ponto de devaneios, volúpias por demais intensas, a angústia de alguma coisa tão íntima e tão externa.

Um pouco assustado, cruzou as pernas e viu que era fim de tarde... um cochilo breve e um tom de irrealidade.