segunda-feira, junho 15, 2015

Requinte

A esperança é um toque de crueldade para o sofrente. É o sopro de vida almejado que insiste em dar o ar da graça, vestido de ilusão e cantarolando os futuros tempos bons. Curioso notar que o excesso dela é chamado de "desesperança".

Passa a fazer mais sentido agora.

Esperança pura é bobagem. O que mantém tudo promissor é a fé. Essa sim. Um misto de senso de propósito, intuição, um pacote divino de inconsciente coletivo e, por fim, uma pitadinha de esperança.

Propósito. A propósito não muito claro, é difícil convencer alguém sobre algo. Remar contra a maré é requinte de quem está bem situado. Quem trilha o próprio caminho às vezes não sabe de onde vem a correnteza ou se haverá algum vento. Por vezes o céu está nublado e nem por astronomia ou bússola se nota direção. Estar à deriva é diferente, é ser levado exausto de reagir. Não é isso. É convencimento de voz baixa, débil, contra multidão ruidosa e pouco atenta.

É queda de braço com a força fraca de ter algum tipo de senso. Mais que a intuição, algo que tenderia a proporcionar a maior tranquilidade. Confiança. Aquele misto de fé e outra coisa.

Tudo é requinte. Principalmente a esperança, requinte de crueldade.


terça-feira, fevereiro 03, 2015

Uma Memória

Qualquer, imprecisa. Das cortinas novas que me levam diretamente à casa dos avós. Por quê? O cheiro de fruta madura, os lírios do jardim e a cor daquela luz de verão.

São Simão. É a minha casa agora. Uma ligação direta cruzando vinte anos. Como se a sensação de casa tivesse de saltar uma ou mais gerações. Tal como a seca ou fenômenos complicados demais para serem justificados, sendo apenas ponderados, certificados, alarmados. Temidos.

Não haveria razão para tal.

Ao descansar sob essas condições, resgato um pouco de inocência. Que talvez eu nunca tive.

Enquanto que se corria atrás de chocolate, me lambuzava com uvas e mangas. O cheiro de manga dava para sentir do quintal. Era doce.

Doce bom, suficiente. Esquecia o tempo.

Como a cortina balança com a brisa leve da pequena fresta que restou na janela. Essa luz, o teto.

Tudo cumpre sua função.


segunda-feira, janeiro 26, 2015

Espuma

A cada fatia, parece sobrar menos. A ilusão é sacana. Fica sim mais duro, mais concentrado.
A preparação do ser fatiado é encolher-se e deixar o adiável para a superfície removida. Tende-se a achar que aquilo se foi, mas é bobagem. Essa camada é espuma, volumosa criação de uma efervescência íntima. Tirá-la só expõe o núcleo, obriga a uma nova camada e uma nova criação.

Pode-se ter medo de uma finitude. Bobagem!

O núcleo reage e se expande. Indefinidamente.



sexta-feira, janeiro 09, 2015

Esse...Essa...

Sombra.

Esconde-se quando não a percebo e me assombra em todos os outros casos. Ocupa mais tempo minuciar sua forma do que compreender sua razão de existir.

É como ficar ao sol e observá-la defasada. De meses, anos. Biênios, talvez? Sei que representa algo que tenta pertencer ao novo mundo.

Faz-se de bondosa, brincalhona. Só não cabe, não serve. As formas são outras e dificilmente se liga uma sombra desfigurada a um corpo mudado. É clichê pensar que só ocorre por causa da enorme claridade que surgiu nos tempos recentes? Pode ser.

Até se descobrir o que é realmente novo, ficamos com um clichê emprestado, como luva ou terno que não veste muito bem. O incômodo e desconforto causado é, na maior parte das vezes, de quem sabe da história ou é crítico, não de um observador externo qualquer.

O novo é um luxo que aflora, como a vida que da terra surge. Não se consome. Consome e nasce.