domingo, junho 13, 2010

Senhor em Café

Era um senhor, sentado a uma pequena mesa redonda, de pedra, em um café meio vazio. Pousou levemente o chapéu na extremidade da bengala e essa em uma cadeira.

Não seriam úteis mesmo.

Água com gás e café chegaram antes que pudesse se concentrar em imagem alguma, era para isso que tinha ido àquele lugar. Fora assim por bastante tempo, suficiente para virar um hábito. Criava os momentos para sentir o que percebia ser necessário. Era do tipo que ficava com a caneta nas mãos esperando as idéias correrem sua vista e serem escritas, automaticamente. Vivia os momentos esperando os lampejos e calafrios de um insight, que nunca ocorria mesmo.

Mas acreditava que existiram. Precisava ter vivido isso, melhor que inventar memórias.

Era de um outro mundo. Por algumas vezes percebi que tomava um fôlego rápido, como se iniciasse uma conversa. Mas relaxava os ombros logo em seguida. Olhava desapontado para cadeira vazia. Quem quer que fosse, fazia muita falta.

Seria ele um cineasta e ela, uma musa com a qual nunca pudera ter caso algum? Possível. Fotógrafo e ambos em momentos bastante íntimos, mas uma barreira os impediria de fazer qualquer coisa? Também possível. Colegas de um ramo que ambos se admiravam a ponto de satisfazer. E aqueça bengala, companheira inseparável e apoio portátil?

Figura enigmática. Pareceu ensaiar uma reclamação com o café, mas não vestiu a pompa daqueles que possuem razão, aquiesceu e assim permaneceu por mais um período. No fundo, sabia que não era café ou qualquer coisa que naquela mesa havia.

Aquela dúvida. Se tivesse vendido o carro e comprado outro, ou nenhum. Se deveria tê-la beijado de forma mais doce ao sair. Se o frio nunca fora justificativa, mas desculpa, para se encolher e se esconder. Se tudo isso não deveria ocupar a cabeça, pois coisas mais importantes estariam ocorrendo. E se houvesse um perdão para o erro que nunca fora cometido? Se depois de um tempo, surgissem outras razões? Epifania!

Um ponto de inflexão, era o que nunca poderia ser criado, imaginado ou vivido na intensidade devida. Eis que o homem levanta, atravessa a mesa, sem tocá-la, como se não existisse. O café, água, bengala e chapéu desaparecem, assim como o próprio. Mesa e cadeiras lá continuaram.

Seria necessário conviver com o ordinário, novamente. Mas o dia já tinha nascido. Onde estava mesmo?


Um comentário:

Cris Y. disse...

Gostei muito desse texto. =)