quarta-feira, março 24, 2010

Casa

Na verdade eu procurava Francisca. Pela calçada tortuosa e movimentada durante o dia e deserta à noite.
Havia acabado o expediente, estava escuro, muito embora houvesse iluminação pública. As árvores criavam penumbras difíceis de encarar.
Uma senhora apoiava as mãos no parapeito de uma grande janela, com os braços abertos a observar nada. Talvez estivesse me esperando. Receptiva, perguntei sobre Francisca.
Me apontou, muito distante, "a lâmpada?", fez que sim. A única acesa na próxima quadra.

Resolvi chamá-la, assim, Casa de Francisca.

Era lugar que havia estado outrora, mas as pessoas não eram iguais, tampouco as conversas. As vozes dos instrumentos, que lá eram tocados, tinham uma nova estória. Estar lá, de novo, era diferente... Certamente havia deixado algo passar da última vez, como os ponteiros de um relógio que sempre caminham entre o fundo e o vidro, varrem o mesmo espaço, mas sempre registram coisas irrelevantes, que não representam fielmente os ocorridos, que não se repetirão mesmo, de forma alguma.

Menos de trinta segundos que lá estava, pedi um chá de hortelã e esqueci o que me levou até ali.
Registrei apenas que a chama da vela, na sua forma mais bruxuleante, golpeada por rajadas de todos os lados, aprendera rapidamente as leis de sobrevivência: adaptar-se.

Do resto, não me lembro.


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