quarta-feira, janeiro 12, 2005

Mais uma carta

Suas mãos já sentiam o cansaço de tantas tentativas. Muito mais do que um monte de papéis amassados, rascunhos rasurados, rasgados de incessante necessidade e busca por algo sublime. Como seria natural, as idéias estavam piores que o monte de folhas, afinal fôra aquela mente que havia criado tal situação, sem previsão alguma de ter um término plausível.
Sequer um término, pensava. Desde que colocara o esboço no envelope final, não tinha outra coisa caraminholando nas idéias do que tê-lo em chamas na lareira. A imagem seria bela, mas ainda sim não resolveria o tal problema. Para uma simulação artística - ouviu passos pela porta do escritório - colocou um dos rascunhos razurados em um envelope e atirou-o no fogo. Que hora esplendorosa! Sua esposa adentrara o recinto e admirou o monte de folhas e, se adiantando à óbvia pergunta, ele respondeu que estava compondo. Tinha saudades do tempo em que escrevia para as pessoas que não existiam. E, se caso existissem, provavelmente não responderiam.
Um clima estranho preencheu o recinto enorme, os personagens da independência sobre a lareira se entreolharam. As estátuas, bustos, até os olhos vesgos de um Picasso se ajeitaram.
A esposa fingiu que acreditou nos dizeres. O marido fingiu acreditar na esposa.
Queimou todos os papéis - todos continham o mesmo assunto e dizeres, não sendo justo que um fosse môrto e outros sobrevivessem.
Limpou a pena e foi dormir.


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