terça-feira, março 21, 2006

Se fosse engano...(Esboçado em 8/jan, inédito)

O baile seria longo, como sempre o fora. O jantar seria servido muito depois da meia-noite.

Ela dançava de rosto colado, sussurando inúmeras palavras pausadas por risos e breves suspiros. De longe, eu observava a cena tentando me situar pela música e ambiente. Não levou muito tempo até entender que minha climatização já havia sido conquistada ao percorrer tal moça, dos saltos altos aos olhos claros.

A conversa incessante parecia nervosismo. Não via o rosto do acompanhante e, decerto, não fiz questão de visitá-lo, importava-me apenas aqueles olhos claros, levemente puxados, que guardavam os mistérios das pessoas desconhecidas. Se entre uma música e outra o casal mal movia os pés do chão, ao menos os olhos dela corriam a todo vapor. Certamente gostaria de lembrar o momento exato em que a conversa perdeu o tom insignificante característico e irrompeu num silêncio observador. De expressão leve fora para apreensiva, deixando uma beleza indescrítivel no rosto. Agora me fitava, assim como eu a fitava, naqueles infinitos poucos segundos.

Permaneceu o impasse do fingir da dança, mecanicamente movendo-se os pés para um lado e outro, enquanto me olhava e retomava o assunto qualquer que falava.

Tempo depois, sentados em umas das inúmeras mesas de jantar, buscou no reflexo de um dos talheres qualquer indício de minha presença no enorme salão. Eu via na lâmina aquele olhar, via também como fugia daquela situação.

Com a fraqueza e hipocrisia dos que vivem os mundos, disse, com o suspiro certo - Bom Apetite - e continuou a fingir, como sempre sonhara.


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