sábado, julho 24, 2004

Era uma vez, Sofia

Abriu a porta ruidosamente, resmungando pela chave empenada na fechadura. Seria a última vez que teria alguma utilidade.
Esses e outros problemas iriam, de certo, para um outro lugar se acompanhados de uma boa dose de bebida. Enquanto se servia de vinho, Sofia pensava em como seu chefe a atormentara nessas últimas semanas. Estas passavam sem que ela se desse conta da cor do sol ou mesmo da ausência desse.
Parecia um rito andar por entre a mobília e, percorrendo os olhos pelos quadros, conseguia organizar parte do caos que se fazia em sua cabeça. Sentou-se num sofá na sala de estar e pôs os pés na mesinha de centro, depois de alguns goles notou um silêncio incomum. Levantou-se rumo ao corredor que dá aos quartos e encontrou uma folha de sulfite dobrada, por entre as páginas de um livro cujo título era “A Sombra do Vento”. Abriu o papel, passando rápido os olhos já cansados pela saudação, corpo e assinatura. Sem entender absolutamente nada, tornou a le-la com mais vagar:


Querida,

Senti vontade de partir, como se quisesse nascer novamente a cada alvorada. A angústia se fazia crescente e não pude mais mantê-la recriminada. Sem esperar seu contato, fui-me embora. Confesso que tenho saudades de seu sorriso, seu olhar – de você -, mas a falsa proximidade que tínhamos revelou-se extremamente danosa quando não pude mais vê-la e do contrário, foi você que negou a reconhecer a minha essência em minha existência.
Não estou aqui para culpá-la, mas sim para me esclarecer. Falo isso, no fundo, a mim mesmo que tento me conhecer e, agora, cada vez mais, sem ajuda de ninguém.

Ass: Romântico.



Pela janela, via-se o pôr-do-sol de uma cidade fria e deserta. Lembrou-se do que tinha combinado dias atrás, mas nada mais podia ser feito agora. Ou poderia?


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