segunda-feira, setembro 18, 2006

Outros Sonhos - Chico Buarque

Sonhei que o fogo gelou
Sonhei que a neve fervia
Sonhei que ela corava quando me via.

(...)
Sonhei que o fogo gelou
Sonhei que a neve fervia
E por sonhar o impossível, ai
Sonhei que tu me querias...


Madrugada

Senti frio nos pés. Talvez a coberta se enrolara quando de algum pesadelo ou coisa qualquer. Achei que eu queria ir ao banheiro.
Abri a porta, acendi a luz. Olhei furtivamente para meu reflexo, fechei a porta nas minhas costas. O chão estava bem frio.

Levantei a tampa do vaso. Acertei o alvo com habilidade.
Dei descarga.
Fechei a tampa.
Lavei as mãos com água fria.
Olhei novamente o espelho.
Apaguei a luz.

Deixei a porta aberta.

Meus pés estavam cobertos novamente.
Voltei a dormir.


sábado, agosto 26, 2006

Das Águas

A chuva julgou suja minha janela e se atirou, ferozmente, fim a limpá-la.

Irritei-me, justo, pois o impulso daquela danificou seriamente a minha tentativa de dormir.

Oras, se a certeza faz com que dormamos, ações tiram-nos o sonho e o sono.

Desistido, fiquei a questionar o que minhas águas cochichavam...

O que estaria sujo, afinal...

A janela ou o que eu via?


domingo, agosto 20, 2006

Mundo, vasto mundo,
Se eu me chamasse Raimundo:

1) Meu nome começaria com 'R';

2) Poderiam me chamar de "Prof. Rai..";

3) Não teria o meu nome atual;

4) Teria novos documentos;

5)...

356) Acho que não mudaria nada.


sábado, agosto 12, 2006

Rocinante





"Acalme-se. Será uma longa jornada. Temos muito o que honrar."


quarta-feira, agosto 09, 2006

O Vôo do Pássaro Rosa

A surpresa ao vê-la certamente dificultou as trivialidades. Como perguntar "tudo bem?" se o desejo era que existisse apenas o silêncio e a continuação daquela troca de sorrisos e olhares. Qualquer coisa que eu dissesse interromperia o momento e disso fui vítima, sem poder evitar.

Pois somos, inexoravelmente, passageiros de nossos segundos impulsos, já que censuramos com veemência aqueles primeiros. Ainda sim, minha mão, leve, tocou seu rosto e um pouco de seu pescoço do lado direito, enquanto nossas faces se tocavam no lado oposto.
Horas depois, do brincar de uma colher por sobre a xícara de chá, realizei o que os primeiros impulsos quiseram dizer:
"Era a última vez a vê-la. Você tinha idéia disso?"

Agora, daqueles impulsos primeiros, lembro-me somente dela tocando os próprios lábios, pasma, e de um fio de lágrimas escorrendo enquanto eu me afastava. Ela sabia que seria a última vez.


domingo, agosto 06, 2006

Moça da Voz

Para ouvir a moça da voz é preciso esperar pelo menos uns 35s.
Ela diz assim:
- Deixe seu recado na caixa postal...

Um pouco ríspida, é verdade, mas, de certo, sincera. Apaixonante.


segunda-feira, julho 10, 2006

Sobre tudo, sobretudo

Fui temente ao Desconcerto do Mundo assim como um fiel se diz temente à Deus. Pois, antes de tudo, sente medo das possíveis ações, depois acredita que se aderir às idéias e segui-las, estará longe dos males. Escrevo com letra maiúscula para empreender o significado imponente e até mesmo a grandiosidade do conceito.

Tive medo e temi, segui a risca o Desconcerto. Intuição suspirava aos meus ouvidos quão frágil poderia se tornar as bases de alguém temente à tal filosofia, quando desse com a realidade contrária dos fatos. Pra quê intuição, se todos os caminhos racionais levam a certeza de não contrariar o conforto de idéias? Do dormir em paz à noite?

Ah... o Desconcerto. A certeza de que o mais fiel pecará, não por vontade própria mas por descuido e ingenuidade.

Esperei na varanda de minha casa, sentado na cadeira confortável de todas as provas matemáticas e teoremas intuitivos, da vivência tranqüila das certezas imaginadas e nunca vistas.

Pois violaram a minha idéia e ideal, o Desconcerto. Todo ele, contra mim e tudo o que mais de mim fizesse parecer irreal. Questionou-me tal:

- Façamos o jogo sujo e veremos quem ganha?

Não dormi à noite.


sexta-feira, junho 09, 2006

Re-searching

I want more than just reasons. Reasons are nice explanation for rational bastards. Everything is not about reason, it's about feelings. Sensations used to fill you up a lot of doubts, not reasons.

Nothing but a funny less hiding game. Showing you painful memories, regrets from unfinished affairs or even voices whispering that you’ll fail. Prohibiting your satisfaction, covering from you the most desired answers. Existential, more than that, a search of meaning or a sentimental reason for still living. That, probably, you won't be able to find.

You cannot run from it. Can’t just leave it behind or even dig it profoundly. What ever you think you can be able to do – even forget -, you’ll always hear a silent knock in your mind, calling for recollect, and it will drown you into deeply dark waters.

You don’t breathe anymore.

But you’re free. In a calm relaxing silence.
In the dark of night. So you can cry, talk and sleep.
For ever.


segunda-feira, maio 22, 2006

Ao Psiquiatra

- Parece ser uma nova fase de sua vida. - Concluiu o Doutor.

- Sim, mas o que isso tem a ver com o meu problema? - Meio ríspido, respondi.

- Ah... o seu problema. Tem uma notícia boa e uma ruim a respeito dele...
- A ruim é que você nunca conheceu ninguém além de você mesmo e o que conhece de você é quase nada. Suas projeções nada mais fizeram do que iludir suas relações durante esse tempo todo. Tudo o que você acha que conheceu é apenas imagem, fruto de tudo aquilo que você queria ver. Você sonhou de olhos abertos até hoje.


- Excelente... - Disse eu sarcástico. Me recompondo, perguntei sobre o que seria a notícia boa.

- A boa é que você nunca precisou de ninguém para escrever seus personagens. E assim sendo você nunca precisará. Tudo o que você escreve é reflexo da sua vida fictícia e isso é excelente para escritores...


sábado, maio 20, 2006

Fitas Cassetes

Tinha a certeza dos fracos de que tudo daria certo. Era o que mais tinha ouvido naqueles últimos dias, daquelas fitas ganhas em um curso para melhorar a auto-estima, elas repetiam milhares de vezes. Habitou o toca-fitas de seu carro, do estéreo que podia ser ouvido em qualquer cômodo de sua casa ou no imaginário, caso estivesse caminhando pela rua.

Aquilo certamente o faria ser melhor, o faria superar seus enormes problemas, incluindo todos aqueles fatidicamente existenciais. A promessa era parecida com curas evangélicas. Era...perfeito.

Tratava sempre da capacidade de solução dos problemas enquanto se pensa positivo, parecia irônico.

Mas, qual a distância entre a capacidade de racionalizar e convencer com idéias, e a confiança vazia causada por martelos sonoros?
Eu tenho em mente os desejos e atitudes, com toda a confiança do mundo, mas não seria aquela fita que faria você concordar comigo. Você não ouviu a fita.

Você sempre estraga todos os meus prazeres, você é a causa do meu fracasso. Pessoal ou não, carrega demasiadamente as dúvidas ao olhá-lo.

As fitas sempre funcionam, funcionarão sempre. O problema parece ser sempre com o espelho... Mas quem é você? Que me olha angustiado, de barba por fazer e se questiona o mesmo... "Mas Quem é você? Que me olha angustiado, de barba..."


quarta-feira, maio 17, 2006

Me dê uma razão. Do tipo lógica, não esperancista, não futurística.
Do tipo que serve para hoje. E servirá para amanhã.
Que seja própria e real.
E que eu ouça.


terça-feira, maio 09, 2006

Eu deveria me sentir com vontade de questionar.
Pois, certamente, é isso o que se espera de alguém que não tem vontade.

Certa vez disseram "Ser ou não ser? Eis a questão.". Devo dizer que isso é belo, porém parte do pressuposto que se sente angústia e tem-se forças, ainda, para formular perguntas.

Mais profundo que isso, deveria ser: "Ter vontade de questionar! Eis a necessidade".

Nada pior do que se questionar de o porquê de não se ter vontade de se questionar.


sexta-feira, maio 05, 2006


Ao Telefone

- ... era algo substancialmente triste, uma sensação de incompletude difícil de ser tratada, descrita ou sequer comentada...

Enquanto falava, balançava a mão levemente fechada, olhando para o vazio, como se aquele movimento pudesse trazer o dom da oratória. Proseguiu tocando os dedos no polegar e depois na palma da mão..era inútil. Continuou.

... mas poder absover-se de tal angústia era mágico.

Ela disse:

- Fica meio difícil de entender. Mas imagino como se sente.

- Chega disso. Pára de falar assim. Pára de ser desse jeito. Pára!!!Falar com você ao telefone não faz sentido. Ouço sua doce voz mas me incomodo plenamente de ficar de olhos fechados. A grande virtude de conhecê-la é poder vê-la de perto, admirar cada traço do seu rosto, como seus olhos sorriem quando estão em dúvida. Quando mira o longe, buscando um pouco de si mesma em algum lugar. Si mesma em algum lugar do caminho. Desculpe, mas não posso continuar por telefone... você ou qualquer outra coisa, não existe.

Desligou o telefone e voltou a observar o quadro. Ele tinha razão.
Parecia ensaiado.


sábado, abril 29, 2006


Moça na Janela

Caminhava por aquelas infinitas ladeiras de cidades antigas, encontrei uma boa casa de chá e por lá fiquei. Poderia ser Ouro Preto, Milão, Lisboa ou qualquer uma. Como faz parte apenas da idéia de lugar, não é necessário citá-la por completo. É muito mais a situação do que o lugar, como sempre deveria ser.

Tinha uma moça a olhar através de uma janela. Típico em vilarejos como aquele, apesar do jeito que ela olhava. Não reprimia e nem guardava o que fora visto para conversas futuras. Tampouco sorria pelas crianças brincando ou admirava o casal de idosos amorosos que qualquer um gostaria de fazer parte no fim da vida. Não observava pássaros nem qualquer outra coisa, sequer percebeu um jovem ansioso, ensaiando um discurso, com um enorme buquê em uma das mãos, se preparando para o inevitável desastre. Ela não via.

Não saberia precisar exatamente o tempo que passei a observá-la, mas foi o período de 2 longas xícaras de chá, o suficiente para saber quão sólidas poderiam ser minhas idéias a respeito dela.

O que ela via então? Não parecia esperar alguém ou alguma coisa. Talvez estivesse vendo algo fascinante, um lugar grande, grandioso ou qualquer coisa assim. Olhava para janela criando coragem para ir atrás do que via. O ato era introspectivo, mas carregava sentimento de afastamento, controlava as visões tentando satisfazer os desejos íntimos do que queria como futuro, para as previsões futuras.
Pois olhar através da janela, para fora, é tentar criar coragem de ter vontade de ser.


terça-feira, abril 11, 2006

A Coisa

Como que fascinado pelas últimas revelações do livro, as últimas sentenças... as últimas palavras, virou a última página e, em seguida, a capa, fechando-o.
Ficou com a mão aberta por sobre ele longos minutos. Ainda, recostado na poltrona, imóvel, ouvindo as palavras ecoarem vivamente, tinha certeza da realidade de tudo aquilo, como se a tivesse vivido...


segunda-feira, abril 10, 2006

Pois

Pois eu estava certo. Isso eu não queria. Cercado da consciência de minha mediocridade, do quão frívolo poderia ser ao falar de assuntos e adjetivos tão pouco vividos, de declarações que não convencem pelos olhos e gestos, mesmo tendo uma penosa honestidade intrigante. A posse de algo que nunca fora, e que jamais poderia ser.

Pois lá estavam. A mão dele tocava o rosto dela suavemente. Certificar-se da realidade de toda a situação. Nesse ato, eu sentia o rosto dela e um profundo amargo, aperto no peito de uma abstração desejada. Ansiedade. Ainda sim, conseguia usar a câmera fotográfica com engenho e imparcialidade invejáveis. Como eram belos em foto. Era possível ver o movimento dos lábios deles, a sombra no rosto dela e um raio de luz em seu olho esquerdo. Em outra, mordia o canto do lábio com malícia involuntária. Estrelas num filme real em que pude capturar cada momento. Posavam para mim, única, exclusiva e inexoravelmente. Eu estava lá.

Um troféu para tudo o que pude viver além do que acharia ser a morte.
O engano de tentar achar beleza no que seria o fim poético e romântico. O fim da paixão unilateral ao perceber que talvez não seja sempre utópico.
Descobrir a facilidade de perder o tempo como areia pelos dedos, a lucidez numa frustração admirada e a frieza para esse relato sóbrio e insólito.


quinta-feira, março 23, 2006

Post nº366.

Angustiado. Antes inundado, sobretudo pelo que você era e fazia, agora nem mais o tom crônico de suas afiadas palavras, seu olhar distante ou sua vontade de me ver longe. Sua falta me faz compania.

Os olhos se perdem ao procurar os seus traços nos objetos, um pouco de você em cada lugar onde nunca esteve. Essa necessidade de tê-la na pilha de fotos ou nas sombras de um filme de rolo sem tempo, nas lágrimas da chuva que banha o vidro da janela, diariamente. O abrir de olhos na escuridão, buscando ofegante o ar da madrugada, sem sucesso.

No que visto, vejo e ouço, a inquietação de tê-la no toque dos meus dedos ao ar, o desenho que não importa a forma, ainda a representa. Borrado pelo suor das doses de uísque que você insistia em descansar por sobre a gravura. Retrato de nós.


terça-feira, março 21, 2006

Se fosse engano...(Esboçado em 8/jan, inédito)

O baile seria longo, como sempre o fora. O jantar seria servido muito depois da meia-noite.

Ela dançava de rosto colado, sussurando inúmeras palavras pausadas por risos e breves suspiros. De longe, eu observava a cena tentando me situar pela música e ambiente. Não levou muito tempo até entender que minha climatização já havia sido conquistada ao percorrer tal moça, dos saltos altos aos olhos claros.

A conversa incessante parecia nervosismo. Não via o rosto do acompanhante e, decerto, não fiz questão de visitá-lo, importava-me apenas aqueles olhos claros, levemente puxados, que guardavam os mistérios das pessoas desconhecidas. Se entre uma música e outra o casal mal movia os pés do chão, ao menos os olhos dela corriam a todo vapor. Certamente gostaria de lembrar o momento exato em que a conversa perdeu o tom insignificante característico e irrompeu num silêncio observador. De expressão leve fora para apreensiva, deixando uma beleza indescrítivel no rosto. Agora me fitava, assim como eu a fitava, naqueles infinitos poucos segundos.

Permaneceu o impasse do fingir da dança, mecanicamente movendo-se os pés para um lado e outro, enquanto me olhava e retomava o assunto qualquer que falava.

Tempo depois, sentados em umas das inúmeras mesas de jantar, buscou no reflexo de um dos talheres qualquer indício de minha presença no enorme salão. Eu via na lâmina aquele olhar, via também como fugia daquela situação.

Com a fraqueza e hipocrisia dos que vivem os mundos, disse, com o suspiro certo - Bom Apetite - e continuou a fingir, como sempre sonhara.


Maquiagem

Criada da pureza das sensações, um leve rubor jovial, do sol, dos dias felizes em branco e preto e uma foto no fim de tarde. Um riso contido, a curiosidade alheia e um pouco mais de um lado seu tão belo de se ver.

De tudo o que vivera nos últimos dias, no rosto tão impossivelmente real e lindo.

O rosto sem falsidade, contido nos traços únicos de sua própria existência.

Existe.