terça-feira, março 30, 2010

A preguiça do Segundo Sol

A vontade própria do Segundo Sol (SS) está bastante em baixa. Preguiça. Iluminar a vida alheia sem nunca ser observado de perto, nem por muito tempo, deprime qualquer pessoa. Não poderia ser diferente para o astro.

O nome sugeriria coadjuvação, embora isso possa não ser verdade. A intermitência e o tom de surpresa fazem do segundo sol, sempre, o espetáculo mais esperado. Ainda, possui maior mobilidade também, mas isso não é fácil de explicar ou citar.

Virou de costas há pouco. Entristecido com o que sua luz permitia ver, o que noutro momento de penumbra julgava serem assim mais belas, todas aquelas coisas. Longe dos detalhes, das características e do comportamento tão imprevisível, embora decepcionante.

Justo não é exigir sua volta, pois pouco se contribui para o bem-estar de tal. Mas, tampouco é possível consolá-lo em definitivo, visto que pouco se sabe a seu respeito. Até hoje não se conseguiu observar com clareza a superfície e suas irregularidades, sendo a imagem representativa oriunda apenas de algumas formas interpretadas de sua luz. Seria necessário fechar o olho por alguns momentos, na medida certa, mas convencê-lo a não virar de costas. Seria possível tocá-lo, assim, fisicamente? Não sei.

Talvez apenas precise dar uma volta pela noite, numa órbita diferente, apagado, a observar as formas por outra claridade. Separar as primeiras das últimas imagens. Somente assim seria capaz de ponderar o quanto de sua luz própria interfere no que é visto.


sábado, março 27, 2010

Parcialidade

Lembranças são parciais. O suficiente para nos odiarmos por ter acreditado, de olhos brilhantes, naquilo que corria em branco-e-preto, com rostos felizes, em nossa mente tão carecida.
Tudo estava escrito. O tom da trilha sonora dá a felicidade que já existiu e parece saudosa tão ausente.

Na realidade, tudo isso é bem tricky, posto que esquecemos de alguns detalhes cruciais... A mão que andava dada à outra, a primeira corajosa que ousou tocá-la, foi a mesma que segurou firme um aparelho para proferir os mais danosos absurdos. Irrecuperável, visto que a vida não é conservativa, e a defesa natural é se afastar, abstendo-se.

Reduzir-se à própria invalidez, com a certeza de focar em algo que não deveria ser tão prioritário, alimentar do pouco fruto de uma estiagem extensa e crer que isso era melhor para uma sociedade inteira.

É fato que os caminhos, por mais tortuosos, sempre levam os protagonistas ao final almejado. Mas esses outdoors enganosos estão atrapalhando demais...

Como parar de crer na imparcialidade dos decoradores de ruas? E dos diretores de peças de teatro ao ar livre. E dos takes em ambientes movimentados, repletos de afeto, amor e compaixão? Existe alguém capaz de dizer a todos eles que isso não existe?

Questiono isso e também na vendagem de tal arte abstrata. Com a distância e tempo prolongado de ausência dessas experiências, sendo tão difícil de enxergá-la no íntimos dos comuns, como interpretar as falas de um conosseur parcial? Não é tempo de ficção.


sexta-feira, março 26, 2010

quarta-feira, março 24, 2010

Casa

Na verdade eu procurava Francisca. Pela calçada tortuosa e movimentada durante o dia e deserta à noite.
Havia acabado o expediente, estava escuro, muito embora houvesse iluminação pública. As árvores criavam penumbras difíceis de encarar.
Uma senhora apoiava as mãos no parapeito de uma grande janela, com os braços abertos a observar nada. Talvez estivesse me esperando. Receptiva, perguntei sobre Francisca.
Me apontou, muito distante, "a lâmpada?", fez que sim. A única acesa na próxima quadra.

Resolvi chamá-la, assim, Casa de Francisca.

Era lugar que havia estado outrora, mas as pessoas não eram iguais, tampouco as conversas. As vozes dos instrumentos, que lá eram tocados, tinham uma nova estória. Estar lá, de novo, era diferente... Certamente havia deixado algo passar da última vez, como os ponteiros de um relógio que sempre caminham entre o fundo e o vidro, varrem o mesmo espaço, mas sempre registram coisas irrelevantes, que não representam fielmente os ocorridos, que não se repetirão mesmo, de forma alguma.

Menos de trinta segundos que lá estava, pedi um chá de hortelã e esqueci o que me levou até ali.
Registrei apenas que a chama da vela, na sua forma mais bruxuleante, golpeada por rajadas de todos os lados, aprendera rapidamente as leis de sobrevivência: adaptar-se.

Do resto, não me lembro.


quinta-feira, março 18, 2010

Mais doutor

- Sabe Doutor, no fundo é isso.
- No fundo?
- É, em resumo.
- Pois bem, digo de maneira sucinta: Você precisa mudar. Ou melhor, você vai mudar, de uma forma ou outra.
- Mas, não sei se estou pronto.
- Você não tem escolha, ninguém tem. Tem dois jeitos de se tratar o assunto: ficar lutando contra enquanto sofre ou aproveitar a fase de mudança.
- Como assim, não estou lutando contra...
- Tsc, tsc. Mente sem ficar vermelho, nem assustado. Que coisa. Vá para casa com a ideia de que você precisa curtir a vida, isso por si só já é a mudança.
- Mas...?
- Sua hora acabou, não esqueça de falar com a Sra. Gertrudes. Hoje você recebeu sua alta.

Atônito, com dificuldade de colocar um pé após o outro, em sentido de marcha, se dirigiu à saída e ao mundo que o cegava veementemente.


sábado, março 06, 2010

Um pouco mais sobre a chuva

A chuva é a tranquilidade que todos precisam. Internamente não somos um céu azul, com poucas nuvens e rostos felizes. Mas sim a intensidade da incerteza, a angústia das nunca respondidas perguntas e um desapontamento sereno e grave.

Entre marés de vento forte, a torrente agressiva banha tudo que não pode se esconder, vulnerável. O que é fraco demais deve ser levado e não sustentado pelos raios de sol que ainda alimentam o sofrente moribundo e o afasta do cortejo fúnebre. Pois que lave e leve logo. Chuva é a imagem-semelhança, a certeza de que existe um espelho maior, não controlável, que afirma firmemente que somos compreendidos.

Uma grande cortina que deixa todos reclusos, reflexivos e reforça aos mais fortes que sempre se deve esperar o momento certo. As sensações pela chuva. Pois, muito claro isso deve ser, que não é preciso sentir se for possível ver e vice-versa.


quinta-feira, março 04, 2010

Sobre Pessoas

As pessoas podem mudar, mas não querem e não o fazem.. Talvez só um pouco. Ficam abertas a isso por curto tempo e, depois disso, fingem muito bem. Até que os agentes de mudanças se tornam grandes estorvos. Mas nunca são devidamente culpados e, nisso, acabam sem poder se martirizar como deveriam. Um altruísmo incabível.

Levar os créditos sacia a necessidade de fazer história. É necessário contar aos outros que não se ficou fechado, que arriscou, perdeu, ganhou. Que deu a volta por cima.

Mas a falta de novas possibilidades de créditos os fazem voltar aos serviços não pagos. Seria consolo afirmar que nada disso era em prol das pessoas, mas sim do dever em si próprio, de fazê-las enxergar o que era necessário.

Estamos quites se pensarmos que o dever, do outro lado, é justamente surrar tais agentes. Escorraçar aqueles que agem conforme o impulso e a própria natureza. Enfim, todos agem conforme os impulsos, ainda que instintivos ou devidamente racionais.

Todos cumprem os devidos papéis e deveriam estar quites. Mas, claramente, isso não ocorre. A falta de comunicação permite que ambos os lados vistam lentes que mostram as cores que gostariam de ver. Essas interpretações alteram o real equilíbrio do que fora feito. Visões não são imparciais e sim poéticas. Não adianta alinhar discursos se as evidências mostrarem outra coisa.

Não é assim que acontece. Não como deveria acontecer. Nunca acontece. Não há vilão, mas se sente. Sempre há uma voz que ecoa outras verdades plausíveis, falta de confiança é a chave de tudo.

Atire uma pedra se for realmente importante, mas deverá sentir corretamente. A pedra no ar, girando, em câmera lenta, dói mais no agressor por saber a intensidade, do que no agredido, que ainda não sabe a razão de tudo aquilo.


quarta-feira, março 03, 2010

A volta

Era uma vez um nefelibata que pôde descer das nuvens. As razões não são necessárias para o causo, embora fossem para a história do indivíduo. Como jovens às descobertas, observava maravilhado os novos acontecimentos. Via os cinzas e meios-tons com atenção, para se certificar de que aquilo era real. Percebeu que deveria agir com moderação, visto que poderia ser inquirido a respeito de tentar "tocar" o ar e outras belas coisas que via.

Mas o período passou, as breves férias chegaram ao fim e era hora de voltar. No meio do caminho de volta, continuou a olhar para tudo o que tinha feito parte de seu cotidiano pelo tempo que quase o fez mudar por completo. Chegando às nuvens, deixou de ter traços corretos das vistas que já conhecia.

Sequer havia completado o percurso e ficava difícil de distinguir os traços do que via. Se o tempo todo esteve muito acima daquele ponto, sobre nuvens mais espessas, o que era capaz de enxergar e, enxergava? Haveria ponto exato de controlar os traços para mais suaves de tudo o que conheceu? Ou, ainda que tudo muito parecesse, provável seria pela habilidade de nossas faculdades mentais em criar o que precisamos, inconscientemente?

De qualquer forma ou sorte, nada existe mesmo. E isso independe de onde estamos.