segunda-feira, janeiro 31, 2005

O dia em que me despedi..

Estava em cima da hora, mas seria difícil me atrasar. Deixei minha bagagem com os recepcionistas, coloquei meu chapéu panamá e estava pronto para dizer adeus à todos vocês. De lá de cima do deck pude ver cada pessoa que ali embaixo estava.
Com um vigor descomunal, balancei os braços dizendo que estava partindo e que sentiria saudades de todo mundo.
Me aproximei no parapeito e pude ver com mais certeza ainda, lágrimas caíram: eu realmente sentiria saudade.

De volta à consciência, não reconhecia uma só das faces que se lá embaixo se vigorava.
Não poderia virar as costas sem realizar seu único desejo.
Voltou a balançar os braços com mais vigor ainda, disse que jamais se esqueceria. Voltaria um dia.


sábado, janeiro 29, 2005

"I've got you under my skin..."


O relógio apontava pouco mais de duas horas da manhã. Caminhava pela rua, incrédulo e extasiado. Ouvia a voz de Francis como própria pulsação e leveza de seu corpo.
O sobretudo balançava com o vento, este que ainda queria levar seu chapéu pra longe... bem longe. Uma cambaleada e um polegar para segurá-lo, invencível esta noite.
"Encontre-me esta noite, às 22h00".
Um andar suave pelas ruas da cidade que nunca dorme. As luzes refletidas no chão ainda úmido. Que tudo isso seja assim mesmo.
Um beijo de boa noite e saíra contendo-se para não cantar na doce voz todas as realizações. Involuntariamente olhara para trás, ela ainda o observava, brilho nos olhos e sorriso no rosto.
New York, New York.


quarta-feira, janeiro 26, 2005

Mexia involuntariamente a cabeça num movimento repetido. Tentava acreditar no que havia feito. Assentia aos próprios dizeres. Essa insistência não trouxera mudança alguma com exceção do relógio e calendário, que acusavam alterações profundas de tempo e espaço sem nova possível solução. Se é que poderia existir solução sem problema definido. Sempre fora assim durante toda sua estada no que chamam de vida.
Amassou o que tinha escrito e também os rascunhos que já eram rasgados pelos olhos de tanto serem lidos.
Rasgou as idéias.
Deixou pra depois.



terça-feira, janeiro 25, 2005

Um pouco mais de verdade

Sua paixão de adolescência e infância nunca fora a excessiva aplicação de condições para expressar determinadas sensações ou atitudes. E, ao que tudo indica, não passará a ser de uma hora a outra.
Assim sendo, deve ser tratado como sentimento exclusivo as palavras encontradas.

"Havia sido uma noite extremamente chuvosa. Podia dizer que tinha chovido na segunda quinzena de janeiro o que choveu no verão inteiro dos 3 anos anteriores. A vida continuava, nessa pseudo-atividade que padece entre as grandes festas do fim do ano e o carnaval. Não podia se dar ao luxo de simplesmente aderir ao movimento pró-ócio, e muito menos exaurir-se fim a concluir as tarefas pendentes, pois sabia que se frustraria.
Nada motiva, nada o atrai, nada termina e nem satisfaz.
Pensara em esquecer da estrada molhada e inebriada de tanta tormenta, deixar o carro ir para a vala só para ter com o juízo final. Uma conversa necessária, explanatória, decididamente importante para os rumos futuro do indivíduo. Como não era provável sua estada definitiva nos campos santos, voltaria com extrema cautela e amor àquilo que sempre teve ódio. Teria mais vontade de pecar, de perdoar. De matar, quem sabe.
O fato importante é que nada disso aconteceu. Por mais que ele tenha pensado nisso tudo, continuou o mesmo.
Se."


quinta-feira, janeiro 20, 2005

Que seja o Fim

Quando se sente bater no peito heróica pancada.
Quando se sente a dor no peito da maldita pancada.
Maldita.

Ingrata pela insistência,
Desgostosa por decência,
Perfeita para um cântico,
Enebriante pro romântico.

Cheio tristezas seguiu o rumo
Pelas ruas, estradas e avenidas,
Suas fôrças e alma consumidas,
No definhar escroto e moribundo.

A cerimônia e a morte tranqüiliza,
Furtiva mão alva divina estendida.
Amenas infinitas voltas sem ida,
O fim do ébrio zigue-zague de sua vida.


quarta-feira, janeiro 19, 2005

Dos amores...

Dos amores que tive, você foi o mais fictício. Tive dúvidas quanto ser, estar, sentir, existir. Para que não tomasse decisão alguma, resolvi imaginar. Foi assim, então, que nos conhecemos.
Praticamente de pára-quedas, tomei conhecimento de sua vida. Em plena avenida paulista, ao meio-dia. Num piscar de olhos, uma lona vermelha cobriu meu pára-brisa e tudo o mais que pudesse interromper. Junto dessa parafernalha, algo parecido com um manual de instruções. Um escárnio alto e uma balística perfeita desse artefato para bem longe. Manual, onde já se viu.
Ela insistiu em se desculpar pelo transtorno, mas olhos dele brilhavam e o que mais podia fazer era assentir movimentando a cabeça lentamente, incrédulo.
Não era perfeita pois era humana. Ou, ao menos, parecia.


segunda-feira, janeiro 17, 2005

Ressonância

Foi encontrado desacordado. Ajoelhado em frente a uma estante, com as mãos sangrando. Estavam mergulhadas numa poça do mesmo líquido. A figura bizarra parecia ter tentado cavar o chão de madeira até o fim de suas próprias fôrças. Estava nu.
Os vizinhos reclamaram pelos gritos esquizofrênicos. Não soava como uma conversa, mas um apelo desesperado.
O sujeito foi encontrado como se ajoelhado num templo. Apesar de muitas estatuetas pelo lívingue, não estava em frente de nenhuma delas, sequer de uma peça de arte. O ícone aclamado era uma estante de livros e um som estéreo. O estéreo estava ligado no fim de algum LP. Capas e livros jogados e rasgados ao lado da estante.
Os peritos concluíram que o rapaz teve um ataque cardíaco enquanto fugia de alguma coisa que sentia. Mas havia só música clássica no toca-discos.


quarta-feira, janeiro 12, 2005

Mais uma carta

Suas mãos já sentiam o cansaço de tantas tentativas. Muito mais do que um monte de papéis amassados, rascunhos rasurados, rasgados de incessante necessidade e busca por algo sublime. Como seria natural, as idéias estavam piores que o monte de folhas, afinal fôra aquela mente que havia criado tal situação, sem previsão alguma de ter um término plausível.
Sequer um término, pensava. Desde que colocara o esboço no envelope final, não tinha outra coisa caraminholando nas idéias do que tê-lo em chamas na lareira. A imagem seria bela, mas ainda sim não resolveria o tal problema. Para uma simulação artística - ouviu passos pela porta do escritório - colocou um dos rascunhos razurados em um envelope e atirou-o no fogo. Que hora esplendorosa! Sua esposa adentrara o recinto e admirou o monte de folhas e, se adiantando à óbvia pergunta, ele respondeu que estava compondo. Tinha saudades do tempo em que escrevia para as pessoas que não existiam. E, se caso existissem, provavelmente não responderiam.
Um clima estranho preencheu o recinto enorme, os personagens da independência sobre a lareira se entreolharam. As estátuas, bustos, até os olhos vesgos de um Picasso se ajeitaram.
A esposa fingiu que acreditou nos dizeres. O marido fingiu acreditar na esposa.
Queimou todos os papéis - todos continham o mesmo assunto e dizeres, não sendo justo que um fosse môrto e outros sobrevivessem.
Limpou a pena e foi dormir.


sábado, janeiro 01, 2005

Aceita uma taça de champagne?

O maitre perguntou 'O que faria o senhor feliz'.
Disse a ele que 'uma garrafa de champagne a cada vez que esta chegar ao fim, e a cada nova garrafa, uma taça nova'. Para coroar a vinda do novo ano.
Em primeiro plano o borbulhar do famoso líquido na taça, em segundo a cidade de Paris repleta de seres apaixonados. Jurei por tudo que fosse de mais precioso em minhas ricas posses, que deveria passar o próximo réveillon acompanhado de alguma pessoa.
Que a mesa não se sentisse vazia, que a taça além da minha não tivesse de amargurar o clima frio de Paris da virada.
6ºC. É suficiente para dizer que preciso ver além do sorriso dos eternos namorados caminhando pela Champs-Elysées, promessas e juras de amor até o fim dos tempos. Um leve aceno ao maitre, Mais uma. Pareceu ecoar o aceno insensato do respeitável cliente, maitre já sabia do término de tamanha dádiva, teve apenas receio de supri-lo. Antes que pudesse haver qualquer forma de retaliação à demora, houve nobreza do maitre e um pedido de desculpas que soou exagerado. Em parte resolvido.
Uma moça passou com os olhos cheios de lágrimas, quis acreditar que fosse felicidade, embora não pudesse esconder a angústia dos amores pouco resolvidos. Aqueles que nos consomem enquanto estamos em tamanho desfrute de nossas atividades mais extravagantes. Chegamos à plena conclusão de podermos enfrentar o mundo, para que tenhamos saciado tamanha necessidade, encontro à plenitude do ser que nos propusemos a exercer. Mínimo, é o que se trata do mundo quando vemos em nós mesmos um motivo para encarar nossos próprios medos.
Sim, o mundo. O menor dos nossos impecilhos, o maior de nossos medos.
No fim das contas...
Sente-se, maitre. Brindemos maitre... às moças que um dia há de nos dar valor. O maitre consentiu.